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  • Fernando Sincero

Como a arquitetura hostil diminui a nossa empatia

Atualizado: 7 de out. de 2021

Recentemente, no post Arquitetura como experiência, falamos sobre a capacidade da arquitetura e do urbanismo de proporcionar diferentes maneiras de o usuário interagir com o espaço e sobre a concepção de lugares e não-lugares. A arquitetura tem esse poder intrínseco de modelar seja o comportamento humano que o da natureza, no entanto, essa capacidade pode acabar se traduzindo não somente em lugares habitáveis e confortáveis, como pode, também, dar lugar a espaços hostis, desprovidos de vida, humanidade e integração com a natureza.

 

Arquitetura hostil

O mobiliário urbano é um dos principais meios de materializar a restrição de uso. Bancos que são projetados com a intenção de serem desconfortáveis para limitar o seu tempo de utilização, e os apoios de braço que, além de impedirem que moradores de rua possam se deitar, fazem com que exista uma única forma de utilizá-lo: sentado em uma posição específica, cada um em um lugar específico. Esse tipo de estratégia projetual é conhecida como arquitetura hostil ou design desagradável.


arquitetura hostil
Fonte: https://www.urbandesignmentalhealth.com/blog/what-is-unpleasant-design-and-how-does-it-affect-mental-health

Os mesmos bancos evitam manobras de skate, a instalação de luzes rosa afasta as pessoas de determinados lugares durante a noite, autofalantes que reproduzem sons de alta frequência dispersam os cidadãos de certos centros urbanos... enfim, esses são alguns exemplos de desenho urbano e mobiliário segregacionista.


A cidade é realmente para todos?

A intenção desse tipo de desenho urbano é clara: expulsar determinadas populações de áreas específicas. Uma matéria publicada em 2015 pelo jornal britânico The Guardian, intitulada Anti-homeless spikes: ‘Sleeping rough opened my eyes to the city’s barbed cruelty’ (Espinhos anti-desabrigados: ‘Dormir mal abriu meus olhos para a crueldade farpada da cidade’), impactou leitores de todo o mundo ao evidenciar como o desenho urbano vem controlando a forma com que as pessoas ocupam o espaço de forma hostil e desumana, influenciando nossas atitudes e diminuindo a nossa empatia.


arquitetura hostil morador de rua
Fonte: https://observatorio3setor.org.br/noticias/coletivos-de-sao-paulo-realizam-projeto-encontros-invisiveis/

Essas estratégias são empregadas com a narrativa de manter a ordem, assegurar a segurança e evitar comportamentos indesejados como manobras de skate e pessoas dormindo. Porém, com a rápida difusão dessa prática, diversos profissionais criticam tais medidas por afetar principalmente as populações mais vulneráveis, como as pessoas em situação de rua.


O design hostil muitas vezes nos passa despercebido, como um banco inclinado que impede a permanência por um longo período de tempo, mas também pode ser mais agressivo, como espinhos instalados em muretas que impedem completamente que alguém se sente ou se deite.


arquitetura hostil
Fonte: https://99percentinvisible.org/episode/unpleasant-design-hostile-urban-architecture/

Só em São Paulo, o número moradores de rua chega a 24 mil em 2020. São 24 mil pessoas que não têm um teto para proteger-se do sol e da chuva, não têm uma cama para dormir ou um banheiro para usar. A utilização do desenho urbano como ferramenta de segregação afasta essa população dos principais centros urbanos na tentativa de tornar esse problema social invisível aos olhos daqueles que diariamente entram em cafés, restaurantes e grandes edifícios coorporativos, diminuindo cada vez mais a empatia com a qual olhamos para essas pessoas.


Nossa falta de empatia se mostra quando passamos por essas pessoas e agimos como se elas não existissem, quando negamos algumas moedinhas porque “ele provavelmente vai usar pra comprar bebida”, e quando sugerimos que eles procurem um trabalho ou que vão estudar ao invés de ficar pedindo dinheiro na rua.


Em 2014 um homem foi encontrado morto, empalado em uma grade em Londres. O homem em questão era Pawel Koseda, um ex-professor universitário polonês. Ele foi encontrado por Ed Boord, que disse que diversas pessoas passaram pelo corpo sem ao menos notar a sua presença.

"Me chateou ver que alguém passasse a vida sem ser notado, e mesmo em seus últimos momentos as pessoas ainda passam reto."


A cidade é para as pessoas, mas quem são os cidadãos acolhidos pela cidade?

Moradores de rua passam dias de suas vida na preocupação de encontrar um local seco e protegido do frio para dormirem, e quando eles encontram um banco no qual eles podem descansar, o mesmo é substituído por um banco com formas estranhas que impedem que alguém se deite, afinal quem precisa descansar, que descanse em casa. Essas medidas passam uma mensagem clara para essas pessoas: você não é bem vindo aqui. São soluções que tiram de vista essas pessoas marginalizadas, forçando-as a se mudar para lugares mais remotos e perigosos, desprovidos de qualquer suporte social.


arquitetura hostil
Fonte: https://twitter.com/hashtag/camdenbench

Quando a cidade perde a sua humanidade, ela não pode direcionar essa segregação para uma população específica. Essas medidas são incapazes de distinguir entre quem “merece” ou não utilizar o espaço público. Quando tornamos impossível que um desabrigado descanse seu corpo exausto no banco de uma parada de ônibus, também impossibilitamos que pessoas mais velhas, enfermas ou uma grávida que teve uma queda de pressão possam se deitar. Restringir o acesso a cidade de determinadas pessoas a torna menos convidativa para todos.


arquitetura hostil
Fonte: https://projetocolabora.com.br/ods11/a-arquitetura-hostil-das-cidades/

Que tipo de cidade queremos projetar? Um urbanismo inclusivo que não faça distinção entre classes, ou um urbanismo hostil e desumano que segrega a cidade dos próprios usuários?


Fontes:

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