A arquitetura desempenha um papel fundamental quando analisamos a qualidade de vida das pessoas, seja na esfera pública que na privada, podendo influenciar o nosso humor, a nossa produtividade e também o nosso comportamento. O design do espaço e do mobiliário pode melhorar, ou até mesmo piorar, nossos níveis de ansiedade e causar sentimentos de felicidade ou introspecção, mas também de desconforto, aborrecimento e até depressão.
Mas o que a arquitetura dos espaços tem a ver com a mente humana e, principalmente, como ela pode, de fato, ser concebida a fim de promover a nossa saúde mental e o bem-estar psicológico?
Diferentes aspectos e características do projeto podem, e devem, ser considerados pelo arquiteto e pelo designer durante o processo de concepção e consolidação de uma obra, seja um quarto ou um edifício inteiro, mas também um parque ou uma área urbana.
Estudos mostram que nosso humor é constantemente influenciado por estímulos externos, como a luz que atinge nossos olhos, os sons que nos cercam e as cores que compõem nosso ambiente.
Espacialidade e materialidade
A disposição dos espaços e dos móveis, e também a forma do próprio edifício, podem nos afetar emocionalmente. Isso ocorre porque percebemos as formas e as categorizamos quase automaticamente como "seguras" ou "ameaçadoras", este é o Efeito Bouba Kiki, que evidencia nossos prejulgamentos sobre a confiabilidade inconsciente que atribuímos às formas e como esse conceito é manipulado por designers, arquitetos e artistas para nos transmitir diferentes sentimentos.
Espaços muito amplos, abertos e desprovidos de partições tendem a fazer com que o usuário se sinta fora de controle e a aumentar seu nível de ansiedade, isso porque o ser humano prefere estar no controle das situações, ou pelo menos acreditar que está. É natural que as pessoas sempre tentem ficar perto de paredes, divisórias e cantos, porque esses locais proporcionam uma maior sensação de controle sobre o espaço.
"Atualmente, existe uma sensação de que tudo está desmoronando. Mudanças climáticas, a situação política e econômica. Sabemos que uma recessão está chegando”, diz a psicóloga ambiental Stephani Robson, "mas não sabemos quando, então desejamos sempre buscar conforto ".
Agora que fomos atingidos por uma crise de saúde global que está afetando a economia, a política e muito claramente as nossas vidas particulares, estamos sentindo os efeitos do desconforto psicológico e da falta de controle em nossa pele. Obviamente a arquitetura não pode resolver nossos problemas e muito menos nos curar da ansiedade, mas se ela ao menos for capaz de fazer-nos sentir mais confortáveis ou não piorar a nossa situação emocional, já é uma grande ajuda.
“A arquitetura pode muito bem possuir mensagens morais; mas ela simplesmente não tem poder para aplicá-las. Ela dá sugestões em vez de impor leis. Ela nos convida, em vez de ordenar, a imitar o seu espírito e não podemos impedir seus próprios abusos.” (Alain de Botton)
As cores
Além dos elementos formais e construtivos que compõem o objeto arquitetônico, as cores aplicadas nas suas superfícies desempenham um papel importante no que diz respeito à experiência que o espaço oferece ao usuário.
Segundo Gio Ponti, as cores são como tatuagens aplicadas sobre a obra, mas que não pertencem à obra em si e, portanto, "na essência arquitetônica ... a consideramos incolor". A arquitetura racionalista categorizava a cor como um tipo de ornamentação que não pertencia ao edifício planejado, no entanto, essa interpretação já é ultrapassada, visto que o projeto arquitetônico contemporâneo é considerado um conjunto de diferentes aspectos, incluindo seu esquema de cores.
A cor pode destacar uma forma ou certos aspectos do espaço, mas também pode causar uma série de efeitos visuais que estabelecem emoções.
O espaço pode ser praticamente alterado fisicamente, mesmo que apenas a nível perceptivo, através do uso da cor de determinadas maneiras, por exemplo: se uma cor mais escura é colocada no teto, é criada a sensação de um espaço mais baixo; e se essa cor é colocada em uma parede de fundo, é criada visualmente a ideia de um "encurtamento espacial".
Mas os efeitos não são apenas na esfera perceptiva espacial, as cores também são capazes de afetar o nosso psicológico, ou seja, podem mudar nosso humor, ajudar-nos a ter mais concentração e até nos tornar mais famintos. O livro Psicologia das Cores define o azul como uma cor que transmite positividade, confiança e segurança e, portanto, é frequentemente usado em espaços comerciais, como agências bancárias, escritórios e empresas; o amarelo traz a ideia de otimismo, curiosidade, jovialidade e cria uma atmosfera luminosa, sendo frequentemente usado em espaços comerciais ou restaurantes para atrair a atenção do pedestre. O vermelho é uma cor que transmite energia, excitação e impulso, por esse motivo é frequentemente usado em restaurantes de fast food e como sinal de 'atenção' ou 'proibido'; o verde evoca tranquilidade, serenidade e bem-estar, e é frequentemente usado em áreas relacionadas à saúde e bem-estar, como hospitais; o laranja, por ser basicamente o resultado da combinação de amarelo e vermelho, passa a sensação de intensidade, criatividade, euforia e entusiasmo, e é frequentemente usado em contextos criativos, como escritórios, estúdios e escolas. Se usado em conjunto com o azul, transmite impulsividade e confiança, sendo adotado por agências e escritórios bancários; o roxo transmite bem-estar, calma e suavidade.
Então as cores podem ser usadas em todos os contextos, mesmo que de formas diferentes, tanto para chamar a atenção e estimular a criatividade, como para relaxar e transmitir tranquilidade, ou mesmo para estimular ações impulsivas.
A luz
Ao longo da evolução, o ser humano se desenvolveu para reagir à luz do sol e à escuridão da noite. No entanto, hoje vivemos sempre cercados por luzes artificiais, e é muito provável que você esteja nesse momento em um ambiente iluminado artificialmente. Nosso corpo possui um sistema chamado ciclo circadiano, que é responsável por regular as 24 horas dos nossos dias com base no ciclo biológico de quase todos os seres vivos, condicionado principalmente pela luz, mas também pela temperatura e outros estímulos.
Nosso relógio biológico está localizado em uma região do cérebro chamada hipotálamo, que se conecta aos vários fotorreceptores espalhados pelo corpo, como a retina, regulando nosso relógio interno de acordo com as luzes absorvidas durante o dia.
Pesquisas mostram que a exposição adequada à luz pode melhorar os níveis de humor e energia, enquanto uma iluminação de baixa qualidade contribui para a depressão e outras inadequações no corpo. A quantidade e o tipo de iluminação afetam diretamente a concentração, o apetite, o humor e muitas outras coisas.
Mas no que exatamente devemos prestar atenção? A melhor coisa a fazer é tentar reproduzir o ciclo natural, ou seja, luzes mais brilhantes durante o dia e luzes mais fracas à noite, caso contrário, nosso ritmo circadiano pode se alterar, resultando em sono de má qualidade, redução na concentração e dificuldades na realização de atividades criativas. A temperatura da luz, medida com a escala Kelvin, é outro fator importante. Quanto maior o valor K, mais brilhante e mais frio será o tom da luz. As luzes mais quentes criam atmosferas mais acolhedoras e relaxantes, enquanto as luzes frias aguçam a atenção e estimulam a produtividade, por isso é indicado que as luzes quentes sejam usadas em ambientes como restaurantes, quartos e áreas de relaxamento, enquanto as frias em locais como indústrias, laboratórios e salas de aula.
Especialistas concordam que tirar vantagem da luz solar durante o dia e evitar a exposição direta à luz azul e fria próximo à hora de dormir pode melhorar a qualidade do sono e afetar positivamente o bem-estar e a produtividade das pessoas.
Memória e identidade
"A crença no significado da arquitetura é baseada na ideia de que somos, para o bem ou para o mal, pessoas diferentes em lugares diferentes – e na crença de que é papel da arquitetura tornar vivos para nós aquilo que idealmente poderíamos ser" (Alain De Botton)
Conforme apontado pelo arquiteto Aldo Rossi, as cidades são os cenários de nossas vidas. Nossas memórias são um conjunto de estímulos diferentes que recebemos a cada segundo da nossa vida desde que nascemos, mas é evidente que algumas são mais intensas que outras.
Obviamente, aqueles momentos especiais que compartilhamos com a nossa família ou amigos são os que mais prosperam em nossas memórias, mas também aquelas ocasiões de perigo, medo e tristeza encontram um lugar em nossas cabeças. Em qualquer circunstância, os cenários em que essas memórias ocorrem são frequentemente arquiteturas: nossas casas, nossas escolas, a casa de nossos avós, nossas cidades, uma cidade que estamos visitando… por isso é tão importante considerar o aspecto emocional dos lugares que construímos.
Os lugares mais memoráveis são aqueles que nos oferecem experiências sensoriais e psíquicas únicas, e aqui chegamos a um conceito muito relevante na arquitetura, a identidade.
Mas o que significa identidade quando nos referimos a prédios, parques ou cidades?
Os seres humanos são naturalmente sociais e precisam interagir com outras pessoas, mas também com o espaço circundante. O lugar, em oposição ao não-lugar, não é apenas um espaço, uma simples extensão tridimensional; a arquitetura, segundo Aldo Rossi, é uma construção decorrente da vida civil e social na qual está inserida, ou seja, é um reflexo do seu próprio tempo, da sua própria gente. O lugar, então, é o espaço que promove a possibilidade de interações e relacionamentos, de criar laços e memórias.
A identidade tem a ver com os materiais, a forma, a cultura, os ritos, as tradições e a história. Está estreitamente conectada com os valores e tradições da própria sociedade que a acolhe.
Leituras recomendadas:
The Architecture of Happiness, Alain de Botton
Amate l’Architettura, Gio Ponti
Psicologia das Cores, Eva Heller
Da Cor à Cor Inexistente, Israel Pedrosa
L’Architettura dela Città, Aldo Rossi
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